Discurso do vereador Jorge Quintino, durante a audiência pública sobre segurança nas escolas

Foto:Cortesia.

A violência nas escolas tem o ódio nas suas causas

“A minha participação nessa importante audiência pública não diz respeito apenas à minha condição de Vereador e de Presidente da Comissão de Educação nessa Casa de Leis. Remonta, também, à minha condição de pai e de Professor, com um Mestrado em História pela Universidade Federal de Pernambuco, defendido há vinte anos. Sim, em 2003, eu tinha a alegria de defender o tema “ Vozes de Clio: Um Estudo sobre o ensino de História em Caruaru”. Durante muito tempo lecionei em vários colégios e Faculdades. Sim, eu sou professor de História.
E nesse momento é muito difícil para qualquer pai, mãe ou professor não se sentir pessoalmente atingido por essas notícias, cada vez mais frequentes, de violência extrema no ambiente escolar. E é importante refletir, por mais que ela seja mais explícita nas escolas públicas, sabemos que as escolas particulares também estão atônitas com esse desafio e esses momentos de ódio. Como não se colocar no lugar dos nossos colegas? Como não sucumbir ao medo? Como não sentir as dores dos pais vendo os seus filhos sendo abatidos por machadinhas no ambiente da escola? Como, simplesmente, seguir em frente?
Sabemos o tamanho do problema que o Brasil vive. Sabemos também que não há respostas ou soluções fáceis para uma questão tão complexa e multifatorial. Não temos a “bala de prata”. Nesse momento, todos buscam uma solução mágica. Entendo, perfeitamente, o clamor de alguns colegas por mais segurança nas escolas. Eu também penso assim. Eu também quero uma escola alegre, protegida e que possa desempenhar o seu papel social. Entretanto, me deparo com um dilema: transformar uma instituição que tem que ser acolhedora, um espaço de socialização em uma prisão, creio que não resolverá a questão.
O que estamos presenciando é apenas a ponta do iceberg de uma sociedade histórica e profundamente violenta, que nunca foi capaz de encarar o seu passado e resolver as questões estruturais que nos trouxeram até aqui. O Brasil nasce a partir de um tripé representado pelo genocídio indígena, escravidão e a nossa tão decantada miscigenação, fruto da violência sexual contra mulheres indígenas e africanas.
Quando analisamos a nossa História, percebemos rupturas institucionais, onde um novo modelo civilizacional poderia ter sido adotado, não passaram de arranjos feitos pela elite, para manter o seu poder político e econômico. Vejamos: A nossa colonização foi de exploração; a independência do Brasil, feita pelo príncipe português. O fim da escravidão sem a adoção de políticas compensatórias, e até hoje a discussão do tímido sistema de cotas raciais é marcada por polêmicas embaladas em preconceitos raciais e de classe.
A Proclamação da República em 15 de novembro de 1889, foi resultado da mobilização do Exército e de republicanos civis contra a monarquia instalada no país desde 1822. Ou seja, a partir de um golpe, a república foi instaurada no Brasil e a família real foi expulsa. Foi um golpe militar tendo um monarquista à frente e marca uma característica trágica de nossa história, a intervenção militar em assuntos políticos que deveriam ser restritos a civis. A ditadura militar inaugura uma cultura de torturas pelas instituições de segurança, que se perpetua até hoje na violência policial contra as classes populares, onde as vítimas são quase todas pretas. A anistia, no final da ditadura civil-militar, de 1964, não puniu e manteve na vida institucional do país aqueles que deveriam estar atrás das grades. Naturalizamos o horror!
Depois de mais de 500 anos após a chegada dos portugueses, não deixamos de ser um país agroexportador, com uma mão de obra explorada ao limite. Todos os dias a imprensa nos traz denúncias de uso de trabalho análogo à escravidão. Estamos entre as quinze maiores economias do mundo, entretanto, a nossa concentração de renda é imoral. Somos um país rico em meio a miséria, 0,5% dos brasileiros concentram quase 45% do PIB nacional. Mesmo durante a tragédia da Covid, o número de bilionários cresceu. Em 2020, o Brasil passou a ter 33 novos super ricos. Já no ano de 2021 havia 17,9 milhões de pessoas em extrema pobreza. Segundo a ONU, a cada 23 minutos um jovem negro morre de forma violenta em terras brasileiras. Somos o 5° país do mundo que mais mata mulheres. Somos no mundo, o primeiro em assassinatos de transsexuais.
Toda essa nossa tragédia é fruto de um mundo capitalista, individualista e consumista, no qual o cidadão foi substituído pelo consumidor. O que temos são pessoas se transforando em ‘TERES HUMANOS’ e não em SERES HUMANOS.
Estamos em uma sociedade em que o objetivo maior que é ganhar e ganhar mais dinheiro, nos tirou o tempo para nossas crianças e adolescentes e, muitas vezes, cansados e infelizes, vemos muitos pais substituírem o ato de educar, que gera antagonismos, com o de ceder a desejos dos seus filhos numa forma de compensação. E aí é fácil vermos os tênis que custam mais de um salário-mínimo as férias na Disney que estouram o orçamento familiar, tentando compensar as suas ausências e criando uma geração de pobres crianças ricas, imaturas e tristes, vivendo internamente uma corrida louca e desesperada em busca por atenção.
Estamos vivendo uma legitimação da violência como forma de resolução de conflitos. Ela está nas ruas, no cinema, nas novelas, nos jogos eletrônicos, nos esportes, no trânsito, nas famílias. Estabelecemos uma luta pela sobrevivência numa selva de pedra em que o outro é o inimigo a ser exterminado, numa competição insana. A vida foi banalizada.
Desde 2018, o nosso País se tornou a Nação com o maior crescimento da extrema direita no mundo. Nos três últimos anos os grupos neonazistas cresceram 270%. O discurso do ódio se naturalizou e nossas instituições não têm mostrado capacidade de enfrentamento. O submundo da internet tem cooptado jovens para essas ideias.

É claro que diante do caos estabelecido e de tragédias anunciadas, queremos uma solução de qualquer forma, a sensação é de luto. Impossível imaginar a dor de pais e mães que, ao deixarem seus filhos numa escola ou creche, acreditam que estão em um lugar seguro e, de forma dramática, veem os pequenos corpos saindo em caixões.
Infelizmente, não existe solução fácil, são necessárias medidas de curto, médio e longo prazo. Mudanças estruturais são imprescindíveis. No entanto, a comunidade escolar tem um papel fundamental a cumprir, é preciso investir no contradiscurso do ódio, precisamos de uma educação que valorize o respeito às diferenças, a solução negociada de conflitos, o resgate da noção de direitos humanos. Precisamos de Psicólogos nas escolas, Orientadores educacionais. Presença da família; combate aos sites influenciadores das nossa crianças, adolescentes e jovens. Caso contrário, continuaremos todos sendo vítimas e algozes em uma sociedade insana que elegeu o ódio como rumo.
Continuaremos lutando. O nosso mandato cobrará das autoridades, as suas devidas responsabilidades em todas as esferas de poder. O nosso Gabinete é uma porta aberta para a busca das soluções possíveis. Tudo faremos para combater o ódio e seguiremos na busca da paz para as nossas escolas, para as nossas crianças.
Muito obrigado!”

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